Uma das minhas expressões preferidas da pandemia era o novo normal. Desde aí vieram muitos novos normais: o novo normal de uma guerra na Europa, o novo normal de as extremas direitas se destacarem cada vez mais, o novo normal de povos dizimados e nós a assistir a tudo pelo TikTok, o novo normal da inflação que o salário não acompanha.
Assumimos que seriam novos normais porque percebemos que não ia ser algo passageiro. Não era algo que se ia resolver em meia dúzia de meses. E então começámos a aceitar como normal algo que tem tudo menos normalidade. Como é que aceitamos como normal a anormalidade de alugar camas a 300€ em quartos com beliches? Como é que aceitamos como normal que um ator seja espancado por causa da peça de teatro que está a ensaiar? Como é que podemos aceitar como normal que voluntárias de associações que servem comida a sem abrigo sejam agredidas? Como é que vamos aceitar como normal chegar a uma rede social e ver dezenas de vídeos de pessoas no Médio Oriente a ver ataques aéreos entre dois países?
Não percebo estes novos normais. Não lhes vejo qualquer normalidade. O que vejo é que é cada vez mais difícil fingir normalidade. E claro que a vida segue, como naqueles vídeos das crianças a ir para a escola na Ucrânia, mas às vezes não sei para onde seguimos. Ainda assim evitamos sentir-nos egoístas e reforçamos o quanto temos sorte. O pior ainda não é connosco. É só arrendamento inflacionado. Podia ser pior, não é?
Esta semana no daylight
A semana começou com uma reflexão sobre trabalho promovida pelo Primeiro Pergunte Porquê, o livro do Simon Sinek sobre liderança;
Escrevi também sobre a utopia de ter tempo para a escrita, admitindo que não consigo ter tempo para tudo;
Por fim, publiquei sobre o livro mais recente da Emily Henry, Great Big Beautiful Life.
A viver nas páginas de…
Filho do Pai, de Hugo Gonçalves
Sabia que queria comprar um exemplar de Filho da Mãe ainda a meio da leitura, mas admito que a compra, juntamente com Filho do Pai, acabou por ser meio impulsiva quando, no sábado passado, fui ver as novidades à Fnac do NorteShopping. O Filho do Pai já estava na minha lista para junho, mas emprestado, e agora estou prontíssima para o encher de sublinhados, como aconteceu com Filho da Mãe. Se estou preparada? Não sei, mas acho que livro bom para choradeira vai combinar bem com uma semana de vaga de calor.
Tenho gostado de conhecer a obra do Hugo Gonçalves em não-ficção e, apesar de querer explorar mais a ficção dele, não sei se me tocará da mesma forma como tem feito aqui.
Deixo-te a sinopse:
Uma morte e um nascimento separados por poucos meses. Um desencontro que impediu Hugo Gonçalves de ser pai e filho ao mesmo tempo, mas que o levou a indagar a história da família e um património em que a virilidade era uma divisa.
Alternando o registo do diário com a escrita do romancista, o drama com o humor, este livro assumidamente biográfico explora a difícil relação de um filho, órfão de mãe, com o pai viúvo, desde a infância até à idade adulta, quando a morte os separa e o filho se torna, também ele, pai de um rapaz.
O que fazer com os modelos de masculinidade, herança de homens forjados na escassez, na dureza e na lealdade do sangue? Que género de paternidade escolher para si, agora que o escritor tem um filho pequeno? O que significa, hoje, ser homem e pai?
É a partir das dúvidas, num tempo de certezas polarizadas e trincheiras ideológicas, que viajamos pelas décadas e pelo mundo, da pequena aldeia raiana dos antepassados do autor até Nova Iorque, Madrid e Rio de Janeiro do século XXI, seguindo o rasto da memória, do corpo, do sexo, do amor, da escrita e da paternidade.
Um texto comovente e inquietante, que vem enriquecer a odisseia pessoal do autor, iniciado com Filho da mãe, que tocou milhares de leitores.
Recomendação aleatória da semana
Capicua no Ar Livre, do Salvador Martinha
Venho cheia de recomendações esta semana e vou começar já por este episódio que tinha em atraso. A Capicua foi convidada do Ar Livre, o podcast do Salvador Martinha, para falar sobre feminismo e não só. O episódio é longo, mas a conversa é muito interessante e vale totalmente a pena.
O episódio desta semana de Fuso, o podcast da Bumba na Fofinha
A Mariana Cabral, aka Bumba na Fofinha, voltou ao podcast e esta semana fez um episódio muito interessante onde, entre várias coisas, falou sobre esta nova moda da publicidade desenfreada a casas de apostas. Mais do que isso, acho que várias reflexões que ela tem feito no podcast são muito importantes pela pertinência e, sobretudo, pela tranquilidade e noção com que as faz.
Sabrina Carpenter no Primavera Sound em Barcelona
Beeeeeeem, se calhar não é a melhor semana para recomendar um concerto da Sabrina Carpenter, no entanto vi o concerto dela no Primavera Sound, em Barcelona, e gostei.
Sei que, neste momento, há alguma discussão online sobre a capa do novo álbum e vou só dizer aquilo que sempre achei: de início, os media pintaram uma imagem da Sabrina que decidia que, claramente, era necessário fazer algum slut-shaming a uma miúda. Ela decidiu pegar na narrativa e virá-la a seu favor. Mas acho que esta sexualização vai cansar. Por muito que pareça que ela não se leva muito a sério e que a bubble-gum pop que faz é prova disso, também acho que uma coisa é tomar conta da narrativa, outra é conseguir passar a mensagem corretamente.
Eu, por exemplo, vi a capa e pensei: realmente, leva-se zero a sério e vai satirizar a ideia de submissão feminina. Mas percebo que nem toda a gente pense o mesmo porque a verdade é que satirizar a submissão feminina só resulta quando vemos algo mais do que sátiras. Mas, claro, sexo vende, sempre vendeu. A diferença talvez esteja em como vendia…
Tânia Ganho no Conversas para Ler, da Cláudia Godinho
É sempre um gosto ouvir a Tânia Ganho. A tranquilidade e sensatez com que fala têm influência nesta sensação de que ouvi-la é tão bom e este episódio é mais uma prova disso mesmo. Uma conversa equilibrada, bonita e que levanta um bocadinho o véu sobre o novo livro, Lobos, que chegou às livrarias há pouco tempo.
Marta Crawford n’A Beleza das Pequenas Coisas, do Bernardo Mendonça
Quando se fala em sexologia em Portugal é impossível não falar na Marta Crawford, cujo trabalho admiro. No fim de maio, a Marta foi convidada do Bernardo Mendonça no A Beleza das Pequenas Coisas e são dois episódios com uma grande riqueza — não só pelas partilhas informativas, mas pela generosidade com que a Marta fala sobre a vida. Deixo a primeira parte.
Coisas que iluminaram a semana
O discurso da Lídia Jorge nas cerimónias do 10 de junho
Cada vez mais, é preciso pegar nas palavras e tentar que elas tenham impacto. O discurso da escritora Lídia Jorge nas cerimónias do 10 de junho, Dia de Portugal, podia ser uma das minhas recomendações da semana, mas, mais do que recomendá-lo, acho que tenho de o assinalar por aquilo que me fez sentir. Mesmo com tantas ameaças à liberdade — e esta semana foi particularmente marcada por isso — haverá sempre quem tenha força para lutar. O discurso pode ser lido na íntegra aqui.
Até para a semana,
Tenho sentido tanto isto. Parece que há uma aceitação coletiva que o mundo está louco e a vida segue. Mas custa tanto e dá muito medo de imaginar para onde é que estes novos normais nos vão levar