232. isto era sobre eleições (e depois deixou de ser)
porque o meu raciocínio se perdeu com o meu cartão do cidadão
Esta edição é tão fresca quanto possível: ainda não são dez da manhã e acabei de me sentar num café na Boavista para tomar o pequeno-almoço antes de descer até aos Jardins do Palácio de Cristal, lugar onde hoje se faz o voto antecipado em mobilidade. Tal como estou a começar a newsletter no dia em que ela sai, estou também a deixar para a última hora a decisão sobre em que partido vou votar. Yap, são dez da manhã do dia em que vou votar e não sei em quem vou votar. Destas duas atividades, é mais comum eu escrever a newsletter no dia em que sai do que estar na iminência de ir votar e não saber em quem o vou fazer.
Admito que, normalmente, vejo as eleições legislativas de uma forma pouco apelativa. Ainda voto num distrito que elege apenas três deputados e, quer queiramos quer não, isso significa que na realidade só dois partidos têm hipótese de eleger ali (nas últimas por acaso não foi bem assim, mas vou fingir que não aconteceu). Isto também significa que não vamos estar totalmente representados. Os resultados disto são conhecidos de todos: voto útil, voto de protesto, abstenção.
[Neste momento, no café, está a tocar a Eastside e apercebo-me disso agora, ao escrever esta parte, porque ouço o «We got our dead end jobs and got bills to pay», algo que me parece apropriado]
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Bem, isto era o início da newsletter às dez e meia da manhã. Desci até ao Palácio de Cristal numa luta interna: voto por convicção, voto por proximidade, voto por conveniência? Não me sinto totalmente representada por nenhum partido, algo que acho natural, mas quando entro no Super Bock Arena tenho a certeza de que, desta vez, não terei o mesmo voto que tive há um ano. Tenho a certeza de que vou escrever sobre isto quando regressar a casa, as frases formam-se na minha mente e sei que é despachar isto e consigo terminar tudo quando chegar a casa. O que eu não sei é que a presidente da minha mesa de voto está prestes a entregar o meu cartão do cidadão à pessoa errada, que não vai notar que aquele cartão não é dela. E ao receber um cartão que não é meu vou lançar o caos naquela mesa de voto e todas as frases da minha mente vão perder-se também.
Pois é. Fui votar confusa e voltei de lá sem cartão do cidadão. E de repente todo o meu dia pareceu virar um poço de caos. E já sabemos que esta mente não consegue verbalizar quando fica cheia de assuntos em que pensar.
Tento voltar ao tema inicial durante o dia, mas tudo o que digo me está a soar justificativo como se eu estivesse arrependida do meu voto. Poderei arrepender-me nos próximos anos, mas não é bem arrependimento que quero que paute este texto. Também já não me sinto numa encruzilhada, porque já escolhi o caminho, e já não me lembro daquilo em que estava a pensar enquanto descia a Rua de Júlio Dinis — só me lembro daquilo em que estava a pensar quando a subia.
A verdade é que não tenho esperança em nenhum partido e senti mesmo que tinha de ter um voto útil nestas eleições. Mas o que é um voto útil quando todos nos parecem inúteis? Descia a pensar que podia não saber em quem votar, mas sabia em quem não votar — e isso sempre soube. Mas subi a pensar que pior do que não ter esperança num partido é ficar sem cartão do cidadão porque alguém não verifica o cartão de cidadão que entrega.
E esta, amigos, é a prova de que eu tenho sempre histórias para contar. 🤣🫠
Esta semana no daylight
A semana começou com O Meu Marido, livro louco da Maud Ventura;
Trouxe os álbuns que têm feito a banda sonora do meu ano até ao momento;
Dia de lançamento foi também dia de escrever sobre Apesar do Sangue, da Rita da Nova;
Falei sobre o Lado B, lugar da francesinha de março;
E, por fim, Os Loucos da Rua Mazur, o livro que deu o Prémio Leya ao João Pinto Coelho.
A viver nas páginas de…
Filho da Mãe, de Hugo Gonçalves
É o livro do Hugo Gonçalves que mais tenho curiosidade para ler. Sempre ouvi muitos elogios e até já o ouvi falar sobre este livro e acho que é daqueles livros de que vou gostar, no entanto fui sempre adiando a leitura porque acho que vai ser um livro que me vai afetar pelo tema que trata. Com o lançamento de Filho do Pai acabei por pedir ambos os livros emprestados e vou mesmo começar por Filho da Mãe. A sinopse deste livro:
Um texto autobiográfico, tão comovente quanto surpreendente, sobre o que é crescer sem mãe. Lê-se como um romance mas é feito de vida.
Perto de fazer quarenta anos, Hugo Gonçalves recebeu o testamento do avô materno dentro de um saco de plástico. Iniciava-se nesse dia uma viagem, geográfica e pela memória, adiada há décadas. o primeiro e principal destino: a tarde em que recebeu a notícia da morte da mãe, a 13 de Março de 1985, quando regressava da escola primária.
Durante mais de um ano, o escritor procurou pessoas e lugares, resgatando aquilo que o tempo e a fuga o tinham feito esquecer ou o que nem sequer sabia sobre a mãe. Das férias algarvias da sua infância aos desgovernados anos de Nova Iorque, foi em busca dos estilhaços do luto a cada paragem: as cassetes com a voz da mãe, os corredores do hospital, o colégio de padres, uma cicatriz na perna, o escape do amor romântico, do sexo e das drogas ou uma road trip com o pai e o irmão. Sem saber o que iria encontrar na viagem, o autor percebeu, pelo menos, uma coisa: quem quer escrever sobre a morte acaba a escrever sobre a vida.
Esta é uma investigação pessoal, feita através do ofício da escrita, sobre os efeitos da perda na identidade e no caráter. É um relato biográfico —tão íntimo quanto universal —sobre o afeto, as origens, a família e as dores de crescimento, quando já passámos o arco da existência em que deixamos de fantasiar apenas com o futuro e precisamos de enfrentar o passado. É também, inevitavelmente, uma homenagem à figura da mãe, ineludível presença ou ausência nas nossas vidas.
Coisas que iluminaram a semana
Apresentação de Silêncio no Coração dos Pássaros, de Lénia Rufino
Uma das coisas que mais tenho gostado de fazer é ir a apresentações de livros ou eventos em que consiga ouvir escritores falar sobre o que fazem. Ontem a Lénia veio apresentar o último livro à Fnac do Alameda e, tendo adorado o livro, queria muito ouvi-la falar sobre esta história. A apresentação foi muito bem conduzida pelo Álvaro Curia e deixou-me ainda mais maravilhada com aquilo que li.
Até para a semana,