Uma das minhas atividades preferidas quando sinto a mente desorganizada é arrumar coisas. Encontro um certo conforto em me dedicar a arrumações quando sinto que a mente — e a vida — está caótica. A mente pode não conseguir arrumar assuntos nas gavetas em que é suposto, mas isso não impede que eu tire tudo do armário e desate a trocar peças de lugar ou que comece a correr a caixa de entrada e a arrumar em pastas os e-mails que por ali andam a ganhar raíz.
Esta foi uma das semanas em que senti a mente mais desorganizada em muito tempo. Não escrevi um parágrafo fora do trabalho — e mesmo no trabalho não foi uma semana com muita escrita. Então dei por mim a chegar a esta página em branco sem qualquer pensamento coerente. Muitas ideias soltas, muitas ideias misturadas, pouca coisa que fizesse sentido. Então deixei a página em branco, coloquei um podcast e comecei a arrumar o armário.
Quando não havia mais para arrumar, peguei no livro da Lénia e decidi que ela e as músicas tristes da Taylor iam ser a combinação perfeita e iam encaixar perfeitamente num domingo cinzento e descansado. E lá me deixei levar pela melancolia da história e da música, quase como se esperasse delas um retorno, como se tentasse encontrar as minhas palavras nas palavras dos outros. Às vezes resulta.
Ontem, em conversa, falávamos sobre ser criativa. Acho que trabalhar em áreas criativas no suga a magia da criatividade — tudo se torna mecânico. Um copy de redes sociais torna-se algo que fazemos sem prestar atenção, um template de uma publicação é algo que criamos já quase sem pensar nele… e quando chegamos ao fim do dia a criatividade está desaparecida e não sabemos onde a ir buscar. Quanto mais desorganizada está a vida — e a mente — mais difícil parece ser encontrar um restinho de criatividade.
Parece que esperamos sempre pela altura certa para organizar ideias, para descansar a cabeça e deixar que a criatividade tenha espaço para voltar — no fim-de-semana tratamos disso, mais vale esperar pelas férias para não termos com que nos preocupar. E entretanto passou mais uma estação do ano e nós não tivemos cabeça para experimentar receitas diferentes com aqueles ingredientes da época, não nos dedicámos a criar aquela rubrica em que andamos a pensar há meses, não avançámos no livro que queremos escrever.
Em vez disso, deixámos mesmo que algo nos consumisse e perdemo-nos em preocupações, desfizemo-nos em exaustão. E mais uma vez juramos que agora vamos fazer diferente. Agora que as horas de sol estão a aumentar, agora que estamos mais conscientes do cansaço, agora que estamos perto das férias, de certeza que depois vai tudo voltar ao normal. Agora vamos fazer diferente. E depois logo se vê.
Esta semana no daylight
A semana começou com um texto dedicado ao concerto da Capicua na Casa da Música;
Recebemos um novo mês com a tradição das coisas que iluminaram o mês;
Escrevi sobre Rapariga Ansiosa, livro da Rosa Silva, que a autora me ofereceu;
E também sobre Amigos, o ensaio da Marisa G. Franco sobre amizade.
A viver nas páginas de…
Os Loucos da Rua Mazur, de João Pinto Coelho
O João Pinto Coelho é um dos cinco autores do desafio de leitura que estou a fazer com a Andreia este ano e abril é mês de ler Os Loucos da Rua Mazur, o segundo livro do autor. Depois de ter adorado Mãe, Doce Mar e Perguntem a Sarah Gross, este é um regresso aguardado com entusiasmo.
A sinopse de Os Loucos da Rua Mazur:
Quando as cinzas assentaram, ficaram apenas um judeu, um cristão e um livro por escrever.
Paris, 2001. Yankel – um livreiro cego que pede às amantes que lhe leiam na cama – recebe a visita de Eryk, seu amigo de infância. Não se veem desde um terrível incidente, durante a ocupação alemã, na pequena cidade onde cresceram – e em cuja floresta correram desenfreados para ver quem primeiro chegava ao coração de Shionka. Eryk – hoje um escritor famoso – está doente e não quer morrer sem escrever o livro que o há de redimir. Para isso, porém, precisa da memória do amigo judeu, que sempre viu muito para além da sua cegueira.
Ao longo de meses, a luz ficará acesa na Livraria Thibault. Enquanto Yankel e Eryk mergulham no passado sob o olhar meticuloso de Vivienne – a editora que não diz tudo o que sabe –, virá ao de cima a história de uma cidade que esteve sempre no fio da navalha; uma cidade de cristãos e judeus, de sãos e de loucos, ocupada por soviéticos e alemães, onde um dia a barbárie correu à solta pelas ruas e nada voltou a ser como era.
Na senda do extraordinário Perguntem a Sarah Gross, aplaudido pelo público e pela crítica, o novo romance de João Pinto Coelho regressa à Polónia da Segunda Guerra Mundial para nos dar a conhecer uma galeria de personagens inesquecíveis, mostrando-nos também como a escrita de um romance pode tornar-se um ajuste de contas com o passado.
Coisas que iluminaram a semana
Girls’ Date!
A Inn mudou-se para o Porto e admito que recebi a notícia com um entusiasmo desmedido. Conseguimos finalmente alinhar agendas e passámos um sábado a pôr a conversa em dia. As horas em conversa passaram por nós sem darmos por elas. Sei que tem sido tema recorrente por aqui, mas realmente ter amigas perto é outro nível de felicidade.
Até para a semana,