Estava a ser um fim de segunda-feira igual a tantos outros: saí do trabalho uma hora e meia depois, cheguei a casa exausta e depois da rotina habitual de banho, pijama, skincare, abro uma mensagem de uma amiga a partilhar uma publicação da Madalena Sá Fernandes. Nesta publicação, a Madalena mostrava, em vídeo, um excerto de um podcast de uma livraria onde um homem decidia criticar o Leme, o seu primeiro livro, com base em critérios reconhecidos universalmente por todos para a crítica literária: o feed de Instagram do escritor.
Como gosto de passar raiva, decidi assistir ao episódio completo — e calhou bem que uma das partes que mais me irritou nem estava no excerto partilhado previamente. Ao ver um homem criticar a obra de uma escritora por aquilo que ela publica nas suas redes sociais, numa postura claramente misógina, via também um moderador que até parecia querer mais misoginia e uma mulher, também escritora, que decidiu manter-se calada e não contrapor aquilo que ouvia. Triste, mas é mais um dia na vida de uma mulher, não é?
Curiosamente, dias depois, dei por mim numa situação em que eu própria me senti minimizada por ser mulher, com um homem a tentar mostrar-se superior a mim e a desrespeitar-me perante outro homem. Tentei responder o melhor que conseguia perante a surpresa, mas não deixei de sentir uma raiva e uma impotência gigantes assim que fiquei sozinha. Escusado será dizer que fui para o concerto da Capicua a precisar mesmo de cantar contra o patriarcado e contra todos estes comportamentos com que temos de lidar só por sermos mulheres.
Há dias em que penso que é mesmo uma sorte não ser uma figura pública. Se até os homens que conheço exercem a sua discriminação e atitudes desrespeitosas e isso me enche de uma raiva crescente, como seria ter homens que não conheço a fazê-lo perante outras pessoas? É uma pergunta retórica, claro, mas às vezes penso mesmo que explodiria como penso que explodirei um dia quando simplesmente não conseguir trincar a língua e ficar só pelas palavras pensadas e seguras.
Estava sentada, um homem em pé, a falar-me com altivez, uma espécie de sermão de quem não pensa admitir que errou, e tive vontade de rir. Não por a situação ser engraçada, mas porque sei perfeitamente o motivo para aquilo estar a acontecer: sou a miúda, ainda sou jovem, sou de uma classe social inferior à da outra pessoa, não tenho um cargo de respeito e, pior de tudo, sou mulher. Perante uma mulher convém um homem saber pô-la no seu lugar. Naquele momento não ri, não disse que não me podia falar assim, não me levantei. Naquele momento defendi aquilo que conseguia defender perante alguém que não me iria ouvir e pensei muito claramente que aquele pode não ser o meu lugar, mas não é por ser mulher. É por não querer ser a mulher desrespeitada por ser mulher.
Estamos fartas de penar o dobro para ter metade
Estamos fartas da vergonha pelo corpo e na idade
De perder anos de vida na senda pouco sadia
De querer viver até aos cem, sem envelhecer um dia
Mães trabalham como hoje, mas em casa é como dantes
Tudo mina a autoestima de meninas e mulheres brilhantes
Enquanto afaga o ego de qualquer gajo mediano
Encontrando em cada adulto funcional o pai do ano
O tal duplo critério é o sal do patriarcado
Estamos sempre em desvantagem no mesmo micromercado
Exaustas de ter mais bagagem às costas no mesmo trilho, diz-me:
Quantos homens que idolatras criam os seus filhos?
Quantos homens genais criaram os seus filhos?
Quantas mães sobrecarregadas ficaram sem brilho?
Esta semana no daylight
A semana começou com um texto sobre o concerto do Bispo no Coliseu do Porto;
Assinalei o Dia do Livro Português com três livros portugueses que caíram no esquecimento;
E a semana terminou com O Caderno Proibido, o livro da Alba de Céspedes que foi escolha da Rita no Clube do Livra-te de março.
A viver nas páginas de…
O Silêncio no Coração dos Pássaros, de Lénia Rufino
Okay, admito batota, mas como o novo livro da Lénia sai esta semana, no dia 2 de abril, queria assinalar o lançamento com esta menção. Quatro anos após o primeiro livro, a escritora portuguesa regressa com O Silêncio no Coração dos Pássaros. As expectativas são algumas, mas, acima de tudo, estou muito curiosa para ver como mudou a escrita da Lénia nestes anos.
Deixo-te a sinopse do romance:
Quando decide pôr fim a um casamento de vinte e sete anos, Laura, uma prestigiada violinista, revisita os principais momentos da sua vida: em criança, o amor pelo violino, o único capaz de preencher os silêncios de uma infância solitária; na transição para a idade adulta, a busca por respostas - ou talvez a compreensão de como se formulam melhor as perguntas; e a certeza de que é na música, sempre na música, que verdadeiramente se encontra.
No prolongamento da catarse, a chegada à maioridade, Álvaro e uma história de amor sem grandes sobressaltos, mas também sem grande entusiasmo; uma parceria apática em casa e na orquestra; e o início do fim: a digressão que faz sozinha pela Europa, a relação com Thomas, um clarinetista austríaco mais novo do que ela, e a tomada de consciência de que é sempre possível fazer voltar a vibrar uma corda que há muito se calou.
Um romance intenso e emocionalmente poderoso, centrado na autodescoberta e no confronto com a dor do fim de um ciclo.
Coisas que iluminaram a semana
Apresentação de Aquilo Que O Sono Esconde, de Mafalda Santos
A Mafalda Santos veio à FNAC do Norte Shopping apresentar Aquilo Que o Sono Esconde e, por isso, obriguei-me a sair a horas do trabalho para poder terminar a tarde a ouvi-la falar sobre este livro de que tanto gostei. A sessão durou uma hora e contou com a apresentação de Maria José e a moderação de Tito Couto. Acho que é sempre enriquecedor ouvir os autores falar sobre as suas obras. No caso da Mafalda ainda se torna melhor porque ouvi-la falar dá mesmo gosto e sinto que podíamos passar horas a ouvi-la.
Capicua ao vivo na Casa da Música
A Capicua esgotou a Casa da Música para apresentar Um Gelado Antes do Fim do Mundo, o álbum que saiu no dia 21, e, por isso, não podíamos perder a oportunidade de a ver ao vivo numa sala tão especial. Seguindo o mote do álbum, que inclui muita interpretação de poesia, o concerto foi intercalando música e vídeos da Capicua a interpretar os vários poemas que acompanham o álbum. No final, tivemos direito a autógrafos. A Capicua volta a atuar no Porto no dia 24 de abril, na Avenida dos Aliados.
Até para a semana,