191. o privilégio de viajar
(pardon my deutsch, isto é uma newsletter sobre o privilégio de viajar)
Hallo, ich bin in München! Alles gut?
Se tudo tiver corrido como é suposto, no momento em que receberes esta newsletter eu estarei em Munique e o meu sábado à noite terá sido passado na The Eras Tour. Sobre isso falaremos noutra altura, porque consigo agendar este texto, mas não consigo adivinhar o que estou a viver em Munique. No entanto, esta viagem serviu de pretexto, ao longo do último ano, para pensar muito no conceito de viagem e no papel que as viagens têm na minha vida. Spoiler alert: não têm qualquer papel. Viajas comigo nesta crónica?
O sonho do revenge travel… e a realidade de não o poder fazer
Quando tinha 19, 20 anos imaginava que a década que se seguia ia ser cheia de viagens. Imaginava realmente que os meus 20 iam ser os anos de viajar de avião e finalmente conhecer outros países. Infelizmente, sou da geração do ordenado mínimo e das rendas loucas, por isso nunca o consegui fazer. Viajei muito, mas de autocarro, carro e comboio, sempre dentro de Portugal, maioritariamente no mesmo percurso: o que me ligava da cidade onde estava a viver àquela onde a minha mãe estava. Fui a Espanha aos 18 anos e andei de avião aos 21, para ir à Madeira. E nunca mais saí daqui. Não dava.
Viajar nunca fez parte da minha vida. Cresci numa família de classe baixa e, no máximo, conseguia ir passar alguns dias a casa de familiares em Lisboa. A primeira vez em que eu e a minha mãe viajámos juntas para algo que não incluía ir passar dias a casa de familiares foi em 2017, quando passámos cinco dias no Porto. Foram as nossas primeiras férias, a nossa primeira viagem propriamente dita. Nunca o tínhamos feito. Férias de família era um privilégio de outros, mas não nosso. Todos os cêntimos que sobravam ao final do mês iam para a conta-poupança que um dia me iria permitir estudar. Viajar não era para famílias monoparentais. Era para os outros.
Era por isso que eu sonhava com a década dos 20 cheia de viagens. No fundo, imaginava-me em modo revenge travel, a viajar tudo o que nunca tinha podido viajar. Sim, havia pessoas que aos 18 anos já tinham ido a mais países do mundo do que eu tinha ido a distritos portugueses, mas eu ia recuperar o tempo ao longo dos 20. Ia conhecer a Europa toda, ia realizar o sonho americano, ia tudo. Só que não fui nada.
A realidade dos meus 20 é que recebi sempre ordenados baixos (mínimos) e quase sempre a viver em quartos arrendados. Quando sobrava dinheiro não era suficiente para viajar ou tinha de o poupar para poder investir em formação para poder tentar sair dos ordenados baixos. As viagens não podiam ser uma prioridade porque não dava.
Uma mini-crise dos 30 para juntar à bagagem
Quando me comecei a aproximar dos 30 comecei a imaginar a possibilidade de viajar para algum lado fora de Portugal antes dos 30 ou até mesmo para celebrar os 30, mas, sinceramente, não sabia se iria conseguir e deixava-me triste pensar que tinha passado esta década a conhecer tão pouco quando via tanta gente nas redes sociais a conhecer tanto.
No ano passado, com as datas da The Eras Tour na Europa, tentei bilhetes em Madrid e em Edimburgo, mas não consegui código. Depois a Inês conseguiu código para Munique e eu disse logo que queria. Por acaso, conseguimos primeiro bilhete para Munique do que para Lisboa. Uma data estava assegurada. Depois ficaram as duas. Não pensei muito na ideia de (v)ir à Alemanha ver um concerto. Decidi que aproveitava todas as oportunidades de Eras Tour que conseguisse e foi o que fiz.
Ao longo deste ano, a única garantia que tive foi a de que, acontecesse o que acontecesse, este fim-de-semana ia estar em Munique. Depois começou a bater a sensação de que só mesmo a uns meses dos 30 ia conseguir: viajar para o estrangeiro (nunca conto a minha ida a Espanha), voltar a andar de avião, visitar a cidade alemã que mais quis visitar numa certa época da vida. E a década de viagens que tinha perdido? E todas as coisas sobre andar de avião que eu não sabia? E se nunca mais voltava a surgir a oportunidade de viajar para fora? Respiremos fundo todos juntos.
A invisible string que me une a Munique
Tenho família na Alemanha, no norte, mas esta história não se relaciona com eles. Vamos ao Euro 2004. Do nada, tenho 9 anos e tal e acho piada a um jogador alemão chamado Michael Ballack. Do nada, acho que o ideal é apoiar o clube dele: o Bayern de Munique. Tudo bem, o Bayern é um dos maiores clubes da Alemanha e, durante os anos seguintes, torna-se o meu clube alemão. Sonho ir a Munique. Parece-me a cidade certa para visitar. Talvez Munique e Frankfurt? Mas Munique parece-me melhor. E sabias que em alemão se diz München? Na altura em que assinalava a lápis todas as cidades que queria conhecer num Atlas que tinha em casa, Munique tinha uma cruzinha mais marcada. Não sei porquê, mas queria mesmo (v)ir a Munique.
Munique ser a minha primeira viagem a sério, a minha segunda vez a Taylor e a minha primeira vez a andar de avião sozinha é especial. Honestamente, melhor do que isto só se o concerto fosse na Allianz Arena.
Sim, viajar é um privilégio.
Sei que muitas pessoas não gostam de o considerar um privilégio, porque o encaram quase como um ataque pessoal, mas viajar é um privilégio. É algo que exige disponibilidade — de tempo, de dinheiro. É algo que muitos não conseguem fazer porque para conseguirem poupar para uma viagem precisam de um esforço maior e muitas vezes têm medo de que essa poupança seja necessária para algo urgente ou porque simplesmente mal conseguem poupar para emergências, quanto mais para lazer.
Sinto um privilégio imenso em poder vir num fim-de-semana a Munique. Já me tinha sentido privilegiada quando consegui margem de manobra para os bilhetes dos concertos, mas aqui ainda me sinto mais. Nos últimos meses tive muito receio de ter de abdicar desta viagem e foi algo que tive a sorte tremenda de conseguir segurar.
Viajar é um privilégio. É um privilégio ser tão fácil chegar a qualquer lugar do mundo. É um privilégio ter dinheiro para comprar bilhetes de avião e quartos de hotel. É um privilégio poder ir a outro lugar sem precisar de autorização.
Já não sonho com revenge travel ao longo dos 30, mas gostava de poder ir a mais algum lugar. Só que a mentalidade de escassez de quem sempre teve pouco dinheiro diz-me que primeiro ainda vêm outras coisas. Com sorte, tenho o privilégio de viajar. Com sorte, nunca me esquecerei do privilégio que isso é.
Bis nächste Woche
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