Ultimamente, estou sempre a voltar a este assunto. Fala-se de grupos editoriais híbridos e eu falo disto. Fala-se de Taylor Swift e eu falo disto. Fala-se de trends de TikTok e eu falo disto. Fala-se de relações e eu falo disto. E o que é isto? É o imediatismo.
Sinto que o imediatismo é uma tendência que está a ocupar a nossa vida e queria escrever sobre ela, mas decidi não o fazer de imediato (see what I did here?). Na verdade, como contei no episódio 46 do Crise de Identidade, fiquei a pensar neste assunto durante o espetáculo do Voz de Cama no Teatro Sá da Bandeira. Como podes ainda não ter ouvido o episódio, vou explicar o contexto.
O Voz de Cama é um podcast da Antena 3 que junta a Ana Markl à psicóloga-sexóloga Tânia Graça. Neste podcast elas falam sobre temas como relações, família, sexo, etc., quase sempre em resposta a mensagens de ouvintes. O que fizeram nos espetáculos ao vivo foi uma recriação do podcast. Uma das questões veio, então, de uma mulher que dizia que só se sentia atraída por homens emocionalmente indisponíveis, mas que finalmente tinha encontrado um emocionalmente disponível e tinha ido a dois encontros, de que tinha gostado, mas não se sentia arrebatada por isso não sabia se havia de ir a um terceiro porque não sabia se valia a pena e não queria dar esperanças ao homem em questão.
Ultrapassando a questão de dar esperanças, que não é importante aqui, queria focar-me na parte de não estar arrebatada em dois encontros e ir ou não ao terceiro. Para mim, no espetáculo a resposta foi óbvia e continua a ser: sim, vai ao terceiro encontro. Espero que entretanto ela já tenha ido. Mas não pude deixar de pensar no quanto ainda esperamos que seja logo imediato, como se tivéssemos de ficar apaixonados à primeira vista, como se tivesse tudo de acontecer… para ontem.
Aquele em que tenho dois encontros bons, estrago tudo no terceiro e ele me arrebata no quarto.
Vinha de dois encontros com duas pessoas diferentes que não seriam para repetir, conversas que me andavam a aborrecer e pouca vontade de criar uma ligação com alguém. Quando ele chegou houve algo nele que me atraiu de imediato, mas não me senti arrebatada. Sentia-me atraída, sim, achei-lhe logo piada, divertimo-nos, mas não estava arrebatada nem esperava estar ou ficar.
Segundo encontro. Continuo a achar-lhe piada. Continuamos a divertir-nos juntos. Chego ao final do encontro e não sei se quero ir a um terceiro. Estou a gostar de o conhecer, sim, ele parecia diferente de todos os boy-lixo com quem me estava a cruzar, mas não sentia que houvesse possibilidade de partir para algo mais do que aquilo e, sei agora, não estava realmente aberta a essa possibilidade.
Continuamos a conversar. Decido que vou decidir depois. Dois encontros bons merecem uma oportunidade de perceber onde aquilo pode ir dar. E vai dar a um terceiro encontro. O pior terceiro encontro da história dos meus terceiros encontros? Possivelmente. Este terceiro encontro acontece numa altura em que eu estou muito triste, sem vontade de estar com pessoas, e com a cabeça completamente noutro lugar. Digo que sim porque acho que vai fazer-me bem alguma distração. A distração ajuda durante para aí 15 minutos e depois… nada. Não consigo estar de corpo e alma ali, sinto-me muito mal por não o conseguir fazer e só me apetece chorar porque estou com uma pessoa tão fixe à minha beira e não consigo estar concentrada nele.
Honestamente, achei que ele nunca mais me ia querer ver porque devia ter ficado bem claro que eu não estava com a cabeça no sítio certo. Ainda assim, reatei a conversa e expliquei o que estava a acontecer na minha vida e o que tinha acontecido naquele dia. Para minha surpresa ele não só me deu tempo e espaço para eu decidir quando o queria ver novamente como não deixou de manifestar interesse em continuar a conversar.
Só nos voltámos a ver duas semanas depois e, dessa vez, ambos no mesmo comprimento de onda, tivemos um encontro melhor do que todos os anteriores. Foi como se finalmente houvesse caminho aberto para deixar ser. Tinham passado dois meses desde o primeiro encontro, sabíamos o que queríamos dali e eu estava finalmente a dar uma oportunidade a alguém para me arrebatar. Uma pessoa não precisa de nos arrebatar à primeira vista. Nem tudo nos fascina à primeira. O que não significa que, com tempo, não seja algo que não nos vai arrebatar. Às vezes, se soubermos ter paciência, podemos ver a semente tornar-se flor. Podemos ser arrebatados à primeira, à segunda ou à quarta. Mas temos de nos permitir ser arrebatados. Ele arrebatou-me à quarta. E continua a fazê-lo.
É p’ra amanhã, bem podias fazer hoje ontem
Não querendo ser esta pessoa, mas sendo: acho que as redes sociais e a internet nos trouxeram uma ideia de imediato que deixámos passar para o resto da nossa vida. Tudo à distância de um clique. Tantas opções à distância de um swipe. Todos os dias algo novo a acontecer. Todos os dias uma novidade. A Taylor anuncia um álbum hoje e amanhã já estão a pedir o próximo. Um autor lança um livro hoje e amanhã já lhe estão a perguntar pelo próximo. Uma música fica viral no TikTok hoje e amanhã já estão à procura da próxima. Conhecemos uma pessoa hoje e amanhã já queremos estar loucamente apaixonados.
Na verdade, estou a ser injusta. Não é amanhã. É ontem. Há uma urgência no ar que ninguém é capaz de sossegar. E podia falar de tudo o resto, mas vou manter-me nas relações, já que foi a pensar nelas que cheguei aqui: como é que queremos construir no imediato algo que queremos que seja sólido e tenha boas bases? Não é só pelo ditado de depressa e bem não há quem. É mesmo porque as relações (todas elas) são algo que exige tempo e trabalho. Não é algo que se crie de uma hora para a outra, de um encontro para o outro.
Claro que a ideia de ser arrebatado no primeiro encontro é muito bonita, mas e se é só fogo de vista e logo a seguir se apaga? Não é mais bonito sentir as possibilidades do primeiro encontro e ver onde nos levam, com calma e paciência? Tem mesmo de ser paixão arrebatadora à primeira vista ou então vou já passar para o próximo da lista?
Ainda esta semana comentava, em conversa, a propósito da Taylor, o quanto estou a adorar o caos de mil eras ao mesmo tempo. Mas algo com que tinha de concordar era que estavam a passar demasiado rápido, com os fãs a exigir praticamente uma era nova a cada dia. A era Speak Now TV chegou e partiu tão rápido. No dia em que foi anunciada acho que vi mais vídeos sobre qual seria a próxima era do que sobre esta era em específico que estava a começar.
Estamos a exigir tudo para ontem. Novidades umas atrás das outras. Será que se está a criar uma aversão ao aborrecimento? Será que as milhares de possibilidades facilmente acessíveis (no Spotify, na Netflix, no Tinder) nos estão a fazer descartar possibilidades mais depressa? E se é certo que há sempre um ponto em que temos de perceber se vale a pena ou não continuar, por que motivo é que esse ponto tem de ser tão imediato também quando estamos felizes com o que estamos a receber?
Às vezes penso só naquelas sementeiras que se fazem com base na esperança. Pode ser que dê. Vamos regando, cuidando do solo. Se tivermos paciência vai haver algo a rebentar do solo em pouco tempo e vamos descobrir que, afinal, a vida ainda nos consegue arrebatar. Pode demorar, pode não ser imediato, mas a vida ainda nos consegue arrebatar. E continua a fazê-lo.
Esta semana no daylight:
Finaaaaalmeeeeeeente acabei de partilhar os livros de 2023 e o último foi Os Homens Que Odeiam as Mulheres, do Stieg Larsson;
Deixei uma recomendação de um café no Porto, o Ponto 2, constatando que tenho saudades de escrever sobre lugares;
Chegou a vez do primeiro livro do ano, A Religião dos Livros, um ensaio que nos leva pelo mundo dos alfarrabistas;
O Crise de Identidade da semana foi sobre o feminismo em dois filmes: a Barbie e o Poor Things:
Falei ainda sobre o Vale a Pena?, um livro em que a Inês Fonseca Santos conversa com vários escritores portugueses sobre escrita e sobre o mercado editorial;
E por fim escrevi sobre mudanças peculiares na leitora que sou hoje: deixar de ler mais do que um livro ao mesmo tempo.
A viver nas páginas de…
Aqui dentro faz muito barulho, de Bruno Nogueira
Recomendação da Semana
Podcast #NãoPodias, da Antena 3:
Este ano comemoram-se os 50 anos do 25 de abril e, como tal, as comemorações incluem uma campanha chamada #NãoPodias, onde se fala precisamente das coisas que não se podiam fazer na ditadura. Inspirados por esse mote, a Raquel Morão Lopes e o Francisco Sena Santos criaram um programa chamado #NãoPodias para assinalar a data.
Já há alguns episódios disponíveis, que recomendo, mas queria destacar o podcast começando precisamente (e redundantemente) pelo início: o primeiro episódio. Tem sido cada vez mais importante lembrar o 25 de abril e a sua importância, mas também lembrar aquilo que significava realmente para o país estar sob um regime ditatorial de extrema direita, algo que uns parecem ter esquecido e outros parecem querer ignorar.
Este primeiro episódio tem ainda um extra que me faz querer destacá-lo: além do Francisco Sena Santos, que é uma das maiores figuras do jornalismo (e da rádio) portuguesa, tem como convidada a professora Maria Inácia Rezola, que é a Comissária Executiva da Estrutura de Missão do 50.º aniversário da Revolução do 25 de Abril de 1974. E ambos têm em comum o facto de terem sido meus professores na ESCS.
O Sena Santos deu-me aulas apenas num semestre, num seminário de rádio, e teve as palavras certas e motivadoras para mim num momento em que nem eu sabia o que precisava de ouvir nem ele sabia que estava a dar-me uma resposta para lá daquilo que lhe perguntei.
A professora Rezola deu-me aulas durante o primeiro ano e até hoje nunca assisti a ninguém a falar com o mesmo brilho nos olhos que ela quando o assunto é 25 de abril, algo que, devo dizer, é muito bonito de ver porque estar em aulas de História nem sempre é apelativo, mas ouvir alguém falar com paixão daquilo que está a ensinar muda tudo.
Posto isto, o episódio é este e está também disponível na RTP Play ou em vídeo no Youtube da Antena 3.
Coisas que iluminaram a última semana:
Fui ver Poor Things ao cinema… sozinha!!!
Sei que contei isto no podcast, mas vou contar novamente. A primeira e única vez em que fui sozinha ao cinema foi no verão de 2010. Estava de férias em Lisboa e a minha tia perguntou-me se não queria ir ao cinema enquanto ela ia resolver coisas da vida e lá fui ver Eclipse numa sala praticamente vazia dos cinemas do Colombo. Nunca mais voltei a ir ao cinema sozinha. Primeiro nunca tive hábitos de cinema. Depois sempre me pareceu que ir ao cinema sozinha era, à semelhança de ir a restaurantes sozinha, uma coisa esquisita. Porquê? Não sei bem.
No entanto queria muito ver o Poor Things, ninguém que conheço queria ver e no domingo, por impulso, comprei bilhete à hora de almoço para ir à sessão das 14h40 do NorteShopping. E não é que gostei muito da experiência? A sala estava a metade, sossegada, pude ver o filme mais atenta e no final ainda fiquei com a sensação de que até podia fazer aquilo mais vezes, no futuro. Não regularmente, porque não é algo que faça sentido para mim e para a minha conta bancária, mas de vez em quando.
Quanto ao Poor Things: adorei! É um filme muito louco, com muita graça, mas também com muitos assuntos importantes abordados. A prestação da Emma Stone é soberba e o Mark Ruffalo tem um papel tão cómico! Gostei mesmo muito.
Até para a semana,